Inicialmente, fixemos a nomenclatura.
Dizemos que o sujeito A tem percepção RELATIVA das notas musicais se, fornecida uma nota (tocada no piano ou no violino ou produzida nos telefones como "som de linha"), ele é capaz de reconhecer outra nota. Nesse caso, o sujeito A não efetua "rapidamente contas de cabeça" mas imagina (mentalmente ou, se o quiser, entoa as notas correspondentes) um acorde apoiado na nota primeiramente fornecida (que servirá como situante ou, como preferem dizer as pessoas que copiam palavras da língua inglesa, como referencial) e reconhecerá outra nota musical que lhe seja apresentada.
Já um sujeito B dotado de "ouvido absoluto" ou, melhor dizendo, de percepção absoluta das notas musicais reconhece imediatamente qualquer nota que seja produzida na sua presença. Não sei se já foi esclarecido o mecanismo psíquico ou fisiológico que é usado em tal identificação mas o sujeito B tampouco o sabe, pois a atuação desse mecanismo é tão rápida que lhe parece imediata (isto é, destituída de mediação, como ocorre no caso do sujeito A).
Mas o quesito não se encerrra nesses dois fatos, pois mesmo entre as pessoas dotadas de "ouvido absoluto" podem ocorrer gradações. Por exemplo, na capacidade de se perceberem acordes (o ambiente harmônico) ou fugas que estejam sendo executadas simultaneamente.
Conta-se que se executava, na Capela Sixtina, uma vez por ano (na quarta-feira da semana santa), um Miserere de Gregorio Allegri, peça essa da qual se conservava a partitura em segredo (no Vaticano). Trata-se de uma peça polifônica, cuja execução despende cerca de doze minutos.
Amadeus Mozart, quando tinha doze anos, em viagem com o pai pela Europa, estava em Roma exatamente em uma semana santa e escutou o citado Miserere. Terminada a cerimônia litúrgica, tendo voltado ao lugar no qual estavam hospedados, Mozart transcreveu no papel toda a partitura do Miserere, ignorante das penas que seriam infligidas a quem a divulgasse.
Mas, nessa anedota, não se diz se Mozart reproduziu a peça na mesma tonalidade na qual a escutou (o que, aliás, é secundário). Se tal fato for verdadeiro, causarão muito maior perplexidade a capacidade de perceber toda a harmonia da peça e a memória que reteve tal riqueza sonora.
Como curiosidade, informo que o "som de linha" nos telefones é o nosso "lá quatro" ou, como se diz em outros países que usam a escala de "A" até "G", é o "A 440", por corresponder à frequência de 440 Hz.